DO IG
As atualíssimas crises de escassez de água e de energia elétrica deveriam ser um divisor na maneira pela qual consumimos. Muito se fala sobre o problema crítico, mas as campanhas de conscientização combatem apenas essa fase aguda que castiga a região sudeste brasileira. As empresas responsáveis pela má gestão dos recursos e instâncias de governo não aproveitam o momento para dizer o óbvio: a mudança de comportamento tem de ser constante, o consumo tem de ser consciente, sempre.
Para o Instituto Akatu, um dos pontos de mudança é educar os cidadãos sobre a finitude de recursos. "Vivemos e falamos de uma cultura de abundância, mas essa abundância acaba. Devíamos planejar como sair da cultura do desperdício, do consumo sem escalas, para passar para a cultura do bem-estar, onde consumimos apenas com esse intuito e não por impulso ou sendo conduzidos a consumir", explica Ana Néca, coordenadora de comunicação do Instituto Akatu, organização não governamental que trabalha pela conscientização e mobilização da sociedade para o consumo consciente.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o ser humano já consome 50% a mais do que o planeta é capaz de repor. Cerca de 16% da população mundial consome 78% dos recursos retirados da natureza.
O Akatu trabalha a educação como ato primordial para diminuir impactos negativos e aumentar impactos positivos do consumo. Para Ana, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei de 1990, ajuda nesse sentido, pois prevê o direito à educação, e determina a criação e atuação dos órgãos de defesa e os Sistema Nacional do Consumidor. Além disso, há diversas entidades de defesa do meio ambiente e de consumidor mobilizadas pelas melhores práticas.
"Precisamos aproveitar esse momento de crise para entender que temos um modelo de consumo insustentável e trabalhar na constante educação da população. É papel do mercado se posicionar nesse sentido porque se continuarmos assim, as empresas não terão o que vender", afirma Ana.
Ana faz uma analogia: hoje os números de infectados pelo vírus HIV voltaram a crescer, mesmo que o momento agudo tenha sido atacado. "Não vivemos uma epidemia de Aids, mas a atual geração de jovens não tem uma memória do problema como quem viveu as décadas de 1980 e 1990. Por esse motivo, pela falta de constância de campanhas, não se protegem. Temos tratamentos paliativos, mas não temos a cura. O que eu quero dizer com isso é que campanhas de conscientização sobre o uso consciente da água, da energia elétrica e de qualquer recurso têm de ser de longo prazo. Senão vemos retrocesso. Governo e sociedade precisam se engajar nisso para que a gente construa a sociedade do bem-estar."
O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor é comemorado em 15 de março. "As empresas ou pessoas que produzem ou vendem produtos ou serviços são chamadas de fornecedores, e tudo o que oferecem aos consumidores deve ter qualidade, preço justo e proporcionar as utilidades anunciadas, sem enganar o comprador", aponta o Ministério Público Federal. Esse é um direito do consumidor, garantido pela Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, que criou o Código de Defesa do Consumidor.
O Código entrou em vigor em 1991, e estabelece direitos e obrigações de consumidores e fornecedores, com o objetivo de evitar que os consumidores sofram qualquer tipo de prejuízo.
"O CDC é o grande marco na evolução da defesa do consumidor brasileiro, sendo uma lei de ordem pública e de interesse social com inúmeras inovações", diz o Procon-SP.
Veja passos para se tornar um consumidor consciente, segundo o Akatu:
Por que comprar?
Pergunte-se, antes da compra, se você realmente precisa do produto ou se está sendo estimulado por propagandas ou impulso do momento, que podem levá-lo a comprar mais do que necessita ou pode comprar. É importante lembrar os limites planetários e o que realmente é importante na vida de cada um. Isso muitas vezes vai significar "ter" algo não material no lugar do material, como dedicar mais tempo a atividades com a família e os amigos.
O que comprar?
É neste momento que definimos qual produto queremos comprar, ao analisar o que as opções disponíveis oferecem e escolhendo as características que realmente atendem às nossas necessidades. Atributos demais que nunca serão usados são puro desperdício. Busca-se definir também a qualidade e durabilidade do produto, suas características de segurança no uso e outros critérios que permitam selecionar sua escolha.
Como comprar?
Devo comprar à vista ou a prazo? Conseguirei manter as prestações pagas em dia? Vou comprar perto ou longe de casa? Como vou buscar e levar minhas compras? De carro, ônibus, bicicleta, a pé? Em sacolas plásticas, sacolas duráveis, caixas de papelão? Fazer compras de bicicletas no final de semana com a família pode ser divertido e uma ótima experiência para todos.
De quem comprar?
Ao escolher a empresa fabricante do produto a ser comprado, é importante considerar as características de produção, o cuidado no uso dos recursos naturais, o tratamento e a valorização dos funcionários, o cuidado com a comunidade e a contribuição para a economia local. Assim, o consumidor pode reconhecer com suas escolhas as empresas que melhor cuidam da sociedade e do planeta, além de atender às características definidas na etapa "o que comprar?".
Como usar?
É essencial encontrarmos formas de usar de maneira consciente os produtos e serviços adquiridos de modo a evitar a troca sucessiva de itens sempre que algo novo surge no mercado ou entra na moda. Alguns exemplos: ser cuidadoso no uso, usar os produtos até o final da sua vida útil, consertá-los se quebrarem antes de pensar em comprar um novo, desligar aparelhos eletrônicos quando não estão em uso e usar apenas a água necessária nas diversas atividades domésticas.
Como descartar?
É o momento de se perguntar se o que se quer descartar não tem mais nenhuma utilidade, seja para você ou para outras pessoas. Caixas e embalagens podem se transformar em brinquedos para as crianças, e roupas antigas com nova costura, móveis reformados e eletrodomésticos consertados podem ser doados ou trocados. Quando realmente não houver novos usos para o produto, deve-se descartar os resíduos de maneira correta, buscando enviar o que for possível para a reciclagem. E sempre lembrar que não existe "jogar fora": o "fora" é o nosso planeta, onde todos vivemos.